3.12.10

Presepadas

A falta de recursos leva à uma criatividade que a abundância não permite.



Antigamente, Natal na casa da minha avó, família grande e muitas outras prioridades, o presépio era sagrado, mas tinha que ser dentro do orçamento. Para decorar o nascimento de Jesus, toda a fauna era convocada: além da família do menino, três reis e uns dois carneiros que combinavam entre si, todos os bibelôs e brinquedos serviam de adorno. De um ano para outro, alguns camelos apareciam quebrados, os pastores ninguém sabe que fim levavam. Então era preciso improvisar para não ficar muito vazio o evento. Tinha pato de cristal em um lago feito de celofane (lindo e diáfano lago), nas adjacências de um estábulo. Tinha uns bichos de uma fazenda de plástico, menores do que as personagens humanas: aqueles que vêm cada um em uma cor, todo de uma cor só: porco todo verde, boi todo amarelo, burrico azul, cavalo correndo (!) em vermelho, preso a um chãozinho da mesma cor. Tinha umas galinhas também. E o melhor, que gerava discórdia: alguns grandes felinos, ou animais da savana. Qualquer bichinho esquecido por um dos netos podia servir de figurante para a natividade. E tia Maninha sempre conseguia fazer todos conviverem em harmonia. Pelo menos até o dia da festa, em que sempre algum menino malino queria um pônei para si.

Claro que alguns puristas vinham fazer chacota:

— Mana, você vai ser responsável por bagunçar o nascimento de Cristo. Aquele tigre vai comer os carneiros. E me diz uma coisa... tinha rinoceronte em Belém?
— Vai catar coquinho.

Hoje em dia não tem a menor graça. Todos os personagens vieram na mesma caixa, têm tamanhos coerentes entre si (exceto o Menino Jesus, que tem essa mania de aparecer com sete anos, vestido e cabeludo, mesmo recém-nascido. Eu sempre temi por Nossa Senhora, pensando no parto dificultoso). A árvore também é maior, os enfeites combinam. O kitsch não alcança mais todo o seu potencial, quando o pessoal começa a ganhar bem. Sinto falta da inocência dos presépio armengado de quando eu era pequena. Hoje em dia, o que salva é que a avó ainda é a mesma. E ainda mais sagaz:

— Mamãe, aquele Papai Noel é grande demais para ficar montado na rena. A bichinha parece que vai afundar na prateleira.
— Não tem nada de rena. Aquilo é um jegue. Em Canhoba tinha igual.

(E besta é quem discute.)

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